Todos os meus filhos

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Andei pensando sobre quantos filhos já tive.
Registrado, biológico, apenas um, mas quantos filhos meu filho já foi? Todos os pais, todas as mães, são pais e mães de muitos e serão dos tantos quantos seus filhos vierem a ser.
Quantas esposas? Quantos maridos? Quantos irmãos? Quanta gente morando em corpos que não se repetem!
Posso vê-los todos os dias, chamá-los pelos nomes de sempre fingindo que os conheço. Mas são tantos… Sou pai, sou marido, sou filho, sou irmão, sou amigo, sou parente, sou colega de uma infinidade de gente, sou outro, diferente de ontem, a caminho de um dos que ainda não sou.
Essa fachada que muda e abriga tantos olhares, impressões em formação, reflexos de movimentos incessantes, sutis, que me modificam sem que eu perceba e, de alguma maneira, me desafia a amar a todos quanto puder, mesmo que às vezes odeie.
Se odeio consola pensar que o alvo do ódio nada mais é do que um breve fragmento dos tantos que desconheço e que potencialmente amaria, se reconhecesse.
Ninguém ama por completo e não há quem abrigue todos os ódios. O que vemos são passageiras expressões cotidianas de seres múltiplos, infinitos, que não fazem ideia que hoje morrerão e, amanhã, nascerão outros. 

A grande evolução!

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Parece que finalmente as coisas estão mudando: “antes sabíamos a escalação da seleção brasileira, hoje os nomes dos ministros do STF.” – ouço por aí.

Deixamos de ver as novelas e passamos a acompanhar a política alimentando as mesmas paixões maniqueístas, as mesmas torcidas, como se estivéssemos sempre a espera do próximo desenlace entre mocinhos e bandidos.

Substituímos coisa por outra e ganhamos uma ideologia para viver.

Outro dia me disseram: “antes o povo só queria saber de carnaval, agora estão discutindo política na internet.”, como se, por si só, isso representasse um evidente salto de consciência. Será?

Em tempos de rede social o “Big Brother” se tornou insuficiente, falso demais para justificar nosso extravasamento. Agora queremos outra atração que nos reforce a ideia de relevância, de que estamos de fato participando de algo grande e, nesse sentido, a política se tornou o ambiente ideal.

Escolhemos um lado e podemos torcer, vibrar, xingar, patrulhar o pensamento alheio, vomitar todas as frustrações em nome de nobres e justíssimas causas. Somos o lado bom da história! Que novela, que jogo de futebol, que carnaval tem poder semelhante?

Gente ressentida promovida a agentes fundamentais na vitória do bem contra o mal, empenhadas por seus heróis de turno e seus incessantes slogans mobilizadores. Tudo muito tentador. Afinal, quem não quer sair de uma vida medíocre, irrelevante, e apresentar-se diante da nobre tarefa de mudar o mundo, elevados a destemidos ativistas de sofá? Finalmente parte de algo maior!

Hoje sabemos os nomes dos ministros do STF, nos posicionamos na esquerda ou na direita, sabemos tudo sobre a necessidade de o estado ser grande ou mínimo e deixamos de ser enganados pela imprensa manipuladora.

Talvez, de fato, tudo represente uma grande evolução. Eu só não consigo enxergar onde ela está.

Questão de sobrevivência

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Mais do que nunca, ler é necessário.

Não se trata apenas de acesso a informação, que na internet é ilimitado, mas de uma pedagogia que as telas não são capazes de oferecer.

São tempos de desinformação, de meias verdades, de burrice patológica, de estimular os instintos mais selvagens sem limites.

É preciso exercitar o pensamento e alimentar-se fora das rinhas virtuais.

Perder o medo de sair da caverna, afastar-se da manada e pensar por si próprio.

É questão de sobrevivência.

Quando a política substitui a religião

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Por alguma razão o ser humano carrega uma arquetipia predisposta à espiritualidade. (no sentido amplo)
Ela se manifesta em forma de anseios que, dependendo do contexto, pode ser projetado nas experiências religiosas, artísticas, filosóficas, intelectuais , místicas ou em qualquer outra dimensão que aponte para o mistério.
Talvez o medo da morte explique em parte o sentimento compartilhado por crentes e ateus, por niilistas absolutos ou beatos, cada qual em busca de uma linguagem que sacie o desejo de transcender-se.
Durante muito tempo, apesar de insuficiente, a religião tem sido a manifestação com maior capacidade catalisadora desse fenômeno.
Acontece que, de uns tempos pra cá, especialmente no Brasil, a política tem se apropriado da linguagem religiosa, substituindo a crença em deuses e santos pela devoção a figuras populistas que, antes de tudo, colocam-se acima de qualquer relativização.
Nesse contexto o maniqueísmo é fundamental, como tem sido na religião tradicional, uma suposta guerra do bem contra o mal que justifique violências retóricas, simbólicas e de fato.
Anulam-se espaços de entendimento enquanto os novos sacerdotes incitam os devotos.
O resultado é preocupante e imprevisível.
Falei mais sobre isso em um vídeo que acabo de postar no Youtube. O título é: “Quando a política substitui a religião” – Se puder apareça. Ficarei feliz em saber o que você pensa: https://www.youtube.com/watch?v=bTPBY3A1fuA

O fenômeno das massas e a manipulação

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Da multidão que escolheu Barrabás, ao povo que apoiou Hitler, a história é repleta de exemplos da força das massas. Entre os estudos de Freud e as análises de Ortega y Gasset, algo em comum: As massas se mantém coesas a partir de instintos, jamais por racionalidade. Medo, raiva, senso de proteção são sentimentos que mantêm os grupos engajados. Políticos sabem muito bem disso e, não à toa, aproveitam a crescente sofisticação das ferramentas de engajamentos e usam os algoritmos a seu favor, promovendo justamente o que sempre manteve as massas coesas: O medo e o ódio. Tenho defendido que a racionalidade a partir de uma postura autocrítica continua sendo um antídoto poderoso especialmente por acender luzes diante de fantasmas criados em nossos porões mais enraizados. Sempre que um ou outro indivíduo acende as luzes, imediatamente percebe onde estava e afasta-se das massas.

Sobre a democracia…

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Não existe um homem que vai acabar com a democracia. Muito menos outro que seja capaz de salvá-la.

Democracia só se sustenta com homens e mulheres dispostos a praticá-la para além de um voto e isso tem a ver com a mentalidade de um povo que se recusa a entregar poder tirânico a quem quer que seja.

Destroem a democracia quando nos fazem desacreditar de tudo, substituindo instituições por “heróis” e “mitos” que não passam de oportunistas.

Tiranias não acontecem só porque um único indivíduo resolveu ser tirano, mas porque em algum momento a maioria acreditou que aquele poderia ser um caminho e outorgou poder demais a um líder carismático qualquer, seja de esquerda ou de direita. As tiranias são sempre fruto da desesperança de um povo.

A história está repleta de trágicos exemplos.

É urgente a consciência do que representa um regime democrático e de que, nele, nunca haverá espaço para super heróis.

Enquanto essa consciência não amadurecer no povo, estaremos à mercê de picaretas disfarçados de semi deuses. É aí que a democracia corre sérios riscos.

Tudo foi dito.

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Tudo foi dito. Alaridos sobre Deus, sobre a morte, sobre a dor. Fez-se conhecer o amor e suas consequências, divulgaram os caminhos certeiros para a felicidade, encapsularam toda filosofia em pílulas azuis, disponíveis, atraentes. 

Provamos da árvore do conhecimento e nos sentimos poderosos Na sequência arrancamos as flores, os frutos, os galhos até que restasse um pedaço de tronco e a raíz, que destruímos depois. 

Agora sabemos todas as coisas. Não há mais mistérios.

Tudo foi dito.

Todos falam. Quem ouve?

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Ninguém enxerga se só houver luz, assim como na total escuridão, ficamos cegos. A visão se dá no contraste.
Na comunicação é parecido. O excesso de vozes, por melhores conteúdos que tragam, na somatória, vira ruídos e ninguém entende nada. É preciso a pausa, o silêncio, o distanciamento para abrir caminhos para o racional e, consequentemente, o senso critico.
Comunicar não se limita a falar, mas em saber ouvir também.

Pós verdade e a convicção dos fatos que não se veem

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Mais do que nunca é importante tratarmos do tema “pós verdade”. O termo não é novo. Foi registrado pela primeira vez em 1992, em um artigo na revista The Nation. Naquele tempo não havia internet e foi necessário quase trinta anos para que um conceito subjetivo se transformasse no lema de uma era. A internet não é a causa do fenômeno, mas funciona como catalisadora de sentimentos difusos cultivados por enormes parcelas da população que nutriram a vida inteira a legítima sensação de estarem sendo enganadas. Tudo o que podiam fazer era desconfiar, reclamar no trabalho e, de quatro em quatro anos, votar. Cenário ideal para uma revolta em processo de maturação que adiante explodiria. Foram décadas de ressentimento, de impotência, até que (felizmente) as redes dessem oportunidades para que as pessoas se comunicassem sem os filtros tradicionais. O bônus foi uma magnífica revolução nas comunicações e tudo de bom que acompanhamos até aqui, mas, como era de se esperar, o ônus não tardou: Na era da pós-verdade os fatos tem bem menos relevância do que as versões, desde que essas se conectem a um sentimento. Verdadeiras massas são mobilizadas (a esquerda e a direita) a partir da emoção, fenômeno já há muito explorado pela religião e pela publicidade. A diferença é que agora ficou muito mais fácil engajar para além do consumo. São prateleiras e prateleiras com as causas que mais se adequem as suas necessidades. Ganha quem for mais eficaz em fornecer grandes narrativas com poder de transformar anônimos em grandes agentes de transformação do mundo. Não importa a causa, o que vale é a sensação de relevância, de portar algo que a maioria não tem. É ingenuidade pensar que Trump e Bolsonaro fundaram esse mecanismo. De um jeito ou de outro a lógica da pós verdade existe há muito tempo. A diferença é que os dois presidentes, além de entenderem muito bem seu funcionamento, se beneficiaram da evolução tecnológica ao capturar o enraizado sentimento “ante sistema” que silenciosamente crescia na população, sempre colocada em segundo plano. Até então os agentes da pós-verdade agiam dentro de um esquema meio “analógico”, mobilizando sindicatos, grupos sociais e militantes. Se não contassem com a adesão da mídia, era só discurso para convertido. Isso explica em parte o movimento do pêndulo para a direita na última década. Se fosse a direita no poder há tanto tempo, seria a esquerda que hoje cultivaria com mais eficácia o fruto do ressentimento das massas, mobilizando-as com as próprias narrativas (como já tem acontecido). A chamada direita só saiu na frente aproveitando melhor as tecnologias, mas não se engane: Não há monopólios de virtudes ou maldades. Aliás, o olhar maniqueísta é necessário para fundamentar a sensação de que estamos no meio de uma guerra do bem contra o mal. O apocalipse nos espera em cada esquina. Alimentar esse sentimento, a existência de um inimigo constante, ainda que ele mude de nome, é essencial para manter o engajamento da tropa. O que definirá o que é bem e o que é mal variará conforme as crenças de cada indivíduo. Enxergar as nuances, sem paixões, sem ódios, pode funcionar como antídoto eficaz. Quanto aos fatos, eles não deixaram de ser importantes, mas têm se tornado cada vez mais secundários diante dos esforços para manipular a opinião pública em direção as convicções que mais beneficiem seus representantes. Isso explica em parte porque a imprensa tem perdido relevância. Jornalismo não interessa mais. O público quer show e uma narrativa que alimente seus antagonismos. É por isso que, mesmo diante de evidências claras, os militantes insistem apaixonadamente em argumentos irreais, trocando a racionalidade necessária pela crença irrevogável em um líder, uma narrativa, uma causa que dê sentido à existência. É a fé dos novos tempos, seguindo à risca o versículo bíblico que diz: “…Fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se veem.” E a verdade? Ela que de um jeito de se adequar.

Com qual consciência?

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Se as leis tem como objetivo apenas o controle, manterão os indivíduos (ou a sociedade) presos na infantilidade, sempre em dúvidas sobre o que é “certo” ou “errado”.O certo ou errado, sob a perspectiva das leis, está sujeito a cultura, ao tempo, as crenças, as experiências de quem os define. Vale para um país, uma empresa ou uma família. Tanto faz. As perspectivas alteram e as leis serão redefinidas.Leis são necessárias para ajudar na intermediação das relações entre os diferentes e devem ser promotoras de autonomia até que os indivíduos desenvolvam consciência. Os que se colocam na condição de “legisladores” deveriam manter em mente a seguinte pergunta: As leis que estabeleço geram maturidade ou criam dependência?A dependência facilita o controle e bloqueia a autonomia.Quanto mais uma sociedade (ou um indivíduo) evolui, menos necessário tutorá-los.Discussões sobre o “certo” ou “errado” seriam substituídas por outra questão: com qual consciência você é o que é?Parece simples, mas seria o início de uma magnífica revolução.